Autor do artigo: Miguel Nunes, licenciado em Biotecnologia na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Biotecnologia: o conceito
A primeira definição de Biotecnologia surgiu em 1919 por Karl Ereky:
“a ciência dos métodos que permitem
a obtenção de produtos a partir de matéria-prima,
mediante a intervenção de organismos vivos (BICS, 2013)”
Biotecnologia é formada pela junção de duas palavras: biologia e tecnologia, por outras palavras, é uma tecnologia biológica, em que as máquinas são os seres vivos (BICS, 2013).
De um modo geral, a Biotecnologia, através de técnicas de manipulação de seres vivos, ou partes destes permite otimizar a produção de produtos de valor acrescentado, assim como o seu aperfeiçoamento (Albagli, 2008).
Embora o termo Biotecnologia possa parecer para o público em geral como uma tecnologia recente, esta poderá ter surgido há mais tempo do que possam imaginar (BICS, 2013). Há mais de 6 mil anos, que eram usados microrganismos em processos biológicos para a transformação de matérias-primas em produtos finais, como a fermentação alcoólica das uvas a partir da qual se obtinha o vinho, dos cereais que forneceu a cerveja, e a cidra proveniente das maçãs, ou até mesmo no fabrico do pão através das leveduras, e os queijos com a adição de bactérias (Carrer et al., 2010; BICS, 2013), embora o Homem não conhecesse a existência dos microrganismos nem os processos associados aos mesmos, já os utilizavam para o seu proveito.
A Biotecnologia está dividida em duas grandes eras: a Tradicional e a Moderna.
A Biotecnologia Tradicional utilizava microrganismos para a obtenção e utilização de produtos do seu metabolismo, que fossem úteis para o Homem, sem a manipulação genética direta, estando centrada na saúde Humana e Animal na utilização de microrganismos para a produção de antibióticos, como a penicilina descoberta em 1929 (Silveira, 2005; Carrer et al., 2010).
A partir do século XX com o desenvolvimento extraordinário que se verificou na ciência e na tecnologia com o aparecimento da eletrónica e da informática surgiram novas metodologias em vários setores produtivos (BICS, 2013). A ponte entre a Biotecnologia Tradicional, e a Biotecnologia Moderna só foi possível após Watson e Crick terem publicado na revista Nature a estrutura do DNA, que demonstrou que os genes contêm a informação para a produção de proteínas, que por si só constituiu um marco a partir do qual surgiu uma explosão de pesquisas em biologia molecular, que com a obtenção de metodologias de DNA recombinante e sequenciamento proporcionou grandes avanços na ciência das plantas, permitindo identificar e selecionar os genes que codificam caraterísticas benéficas para serem aplicados como marcadores moleculares, ou para a expressão de um determinado gene noutro organismo obtendo-se novas caraterísticas agronómicas e nutricionais desejáveis, que na produção de alimentos permite o aumento da produção agrícola, otimizar o seu desenvolvimento e crescimento através do “desenho” de novas plantas (Silveira, 2005; Carrer et al., 2010).
Deste modo a Biotecnologia Moderna define-se como:
“aplicação científica e tecnológica a organismos vivos, as suas partes, produtos e modelos destinados a modificar organismos vivos e/ou materiais aplicados à produção de conhecimentos, bens e serviços (BICS, 2013)”
Áreas de aplicação da biotecnologia
Os métodos biotecnológicos permitem solucionar imensos problemas com ferramentas multidisciplinares, com grande impacto nos diferentes setores industriais, pelo que foram surgindo várias formas de classificar o conceito de biotecnologia e as suas vastas aplicações. No Congresso Europeu de Biotecnologia em 2005 foi desenvolvido um sistema de subdivisão da Biotecnologia em quatro grandes áreas principais de acordo com o seu setor de aplicação: Verde, Vermelha, Branca e Azul (BICS, 2013).
A Biotecnologia Verde dedica-se a dar produtos e serviços à área agroalimentar, constituindo-se como a biotecnologia aplicada a processos agrícolas, e inclui métodos de melhoramento de variedades vegetais através da micropropagação, da seleção com marcadores moleculares e da utilização da tecnologia de DNA recombinante. As tecnologias desta área permitem utilizar microrganismos e células vegetais para produzir ou transformar alimentos, biomateriais e energia. Assim, podem-se obter plantas resistentes a doenças, pragas, pesticidas e condições ambientais adversas, ou então com maior teor nutritivo (CIB, 2008; BICS, 2013).
Como foi referido inicialmente, foram debatidas várias formas de classificar as áreas de aplicação da biotecnologia e respetivos conceitos, pelo que existem ampliações à classificação já referida em mais 6 áreas: Preta; Cinza; Dourada; Castanha; Rosa; Amarela (BICS, 2013).
Biotecnologia em Portugal
Este setor é considerado prioritário para a competitividade da economia, por ter elevada capacidade de inovar e de difundir inovação com os setores com que se relaciona. A seguir é apresentado um sumário do panorama nacional no período de 2006-2014:
- Em 2014 contavam-se 65 empresas ativas que empregavam uma média de 7,4 pessoas por empresa, abaixo dos 24,5 da média europeia, por outro lado verificou-se que esse valor aumentou 240% relativamente aos 157% na Europa no período de 2006-2014. Portugal é o 14º país em termos de volume de emprego (0,9%) e o 10º em número de empresas (2,9%), sendo que 79% do emprego e 56% das empresas encontram-se no Reino Unido, Alemanha, França, Suíça e Holanda;
- O número de patentes em Biotecnologia neste período mais que duplicou tendo sido concedidas 87 patentes num total de 497 pedidas, que coloca a Biotecnologia em quarto lugar entre 35 áreas tecnológicas com 5,7% do total de patentes pedidas, acima da média Europeia de 2,6%;
- Em 2014 o volume de negócios quadruplicou relativamente a 2006, para 30,5 milhões de euros (0,25% do valor europeu). Relativamente à autonomia financeira (30%) estamos bem abaixo dos 50% verificados nos restantes países europeus. Neste setor 48% dos empregados são licenciados, 18% mestres, 14% doutores e 5% fizeram bacharelato. A idade média dos trabalhadores é de 34 anos sendo 61% mulheres com um salário médio líquido em 2013 foi de 1558€, sendo o salário horário médio de 9,2€ (Cerejeira et al., 2016);
O Biocant, localizado em Cantanhede, é o único parque científico e tecnológico especializado em Biotecnologia em Portugal, do qual fazem parte empresas, as unidades de I&D, o pólo de investigação fundamental e capacitação empresarial do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra e um conjunto de stakeholders ligados ao setor das redes científicas e empresariais nacionais e internacionais do Biocant. A P-BIO, fundada em 1999, é a única associação empresarial de Biotecnologia em Portugal e tem como membros a maioria das empresas nacionais ligadas a este setor, assim como muitas das principais multinacionais (Tomé e Frade, 2014).
Quase 50% das empresas biotecnológicas estão concentradas nas áreas de Lisboa (32%), Porto (17%) e Coimbra (18%) (BICS, 2013).
Biotecnologia a nível mundial
A Biotecnologia é uma indústria nova, que devido às suas aplicações é vista como essencial neste século, e tem mostrado claros sinais de crescimento desde 2010, tendo gerado um volume de negócios de 83,4 mil milhões de dólares em 2012 (57% EUA e 22% EU), com um investimento em I&D de 23,1 mil milhões (74% EUA e 21% EU), que se encontra a aumentar a passos largos. Apresenta-se como uma indústria facilitadora de novas oportunidades, importante para o crescimento económico e na criação de emprego, na saúde pública, na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável, em que os líderes a nível internacional são os EUA e a União Europeia (BICS, 2013).
A Europa conta atualmente com uma forte e crescente indústria biotecnológica. A União Europeia considera a Biotecnologia como uma das indústrias chave para o crescimento da sua economia e de potencial para o desenvolvimento de emprego, pelo que tem vindo a incentivar o setor mediante investimento e políticas específicas para o setor (BICS, 2013).
Assim, com este primeiro artigo pretende-se mostrar o setor da Biotecnologia, as suas aplicações, tanto como a sua importância. Nos próximos artigos serão exploradas as aplicações desta magnífica tecnologia que é a Biotecnologia Verde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Albagli, S., 1998. Da biodiversidade à biotecnologia: a nova fronteira da informação. Ciência da informação, 1, 27, 7-10.
BICS, 2013. Caraterização do Setor Biotecnologia. Associação dos Centros de Empresa e Inovação Portugueses, 181pp.
Carrer, H., Barbosa, A. L., e Ramiro, D. A., 2010. Biotecnologia na agricultura. estudos avançados, 70, 24, 149-164.
Cerejeira, J., Portela, M., e Sá, E., 2016. Caraterização do Setor da Biotecnologia em Portugal. P-BIO, 2pp.
Blog do CIB, 2008. Grandes Áreas Biotecnológicas. Site disponível: Grandes Áreas da Biotecnologia (Última atualização: 10 Out. 2008), URL: https://cibpt.wordpress.com/2008/10/10/grandes-areas-biotecnologicas/. Consultado em 22 Jan. 2019.
Silveira, J. M. F. J. D., Borges, I. D. C., e Buainain, A. M., 2005. Biotecnologia e agricultura: da ciência e tecnologia aos impactos da inovação. São Paulo em Perspectiva, 2, 19, 101-114.
Tomé, S., e Frade, A., 2014. Portugal marca pontos na Internacionalização da BIOTECNOLOGIA NACIONAL. Site disponível: Biocant (Última atualização: 24 Set. 2014), URL: http://www.biocant.pt/show.aspx?contentID=355. Consultado em 22 Jan. 2019.