Autora do artigo: Ana Lúcia Pereira, Mestre em tecnologia e ciência alimentar
O impulso mundial por uma dieta saudável
O impulso mundial por uma dieta saudável, bem como as alterações no estilo de vida do consumidor, conduziram nos últimos anos a um aumento notável na procura por alimentos inovadores, naturais, saudáveis e convenientes. Os produtos fresh-cut (minimamente processados em português) surgem como resposta a esta demanda, nomeadamente ao nível das frutas e legumes, muitas vezes associados a uma elevada qualidade nutricional e ausência de aditivos1, 2, 3.
De acordo com a IFPA4 (International Fresh-cut Produce Association), as frutas e legumes minimamente processados (MP) são lavados, descascados, cortados, fatiados, triturados e/ou aparados, higienizados e embalados com o objetivo de aumentar a sua funcionalidade/conveniência. São produtos comercializados crus, não congelados nem termicamente processados, prontos a comer ou cozinhar. São normalmente armazenados em embalagens semipermeáveis e a temperaturas de refrigeração, de modo a oferecer aos consumidores uma nutrição elevada, conveniência e atributos sensoriais agradáveis, sem que a frescura seja afetada5.
Fonte da imagem: Lancaster Foods.
O processamento de produtos MP envolve várias etapas, como a seleção para garantir a qualidade superior dos produtos, a lavagem preliminar para remoção de sujidades externas, descasque e/ou corte, desinfeção (com água clorada por exemplo), embalamento, distribuição e venda. Cada operação unitária deve ser realizada corretamente para assegurar uma qualidade, segurança e validade satisfatórias do produto final6.
Um dos aspetos mais importantes no processamento mínimo é a temperatura, que deve ser refrigerada ao longo de todo o processo, uma vez que atrasa os fenómenos de deterioração, retendo o máximo possível a qualidade do produto7.
Um outro aspeto importante é o estado de maturação dos frutos. Normalmente, a indústria dos frutos frescos prefere processar frutos menos maduros e mais firmes, de modo a otimizar o tempo de prateleira; contudo, o fruto maduro tem uma qualidade organolética maior8, sendo portanto necessário encontrar um equilíbrio entre os dois cenários.
Os produtos MP devem apresentar um prazo de validade suficiente para que a sua distribuição e posterior consumo sejam viáveis9. O tempo de vida útil microbiológico, sensorial e nutricional deve ser de pelo menos 4 a 7 dias, preferivelmente mais10, 11.
Desafios da Indústria Fresh-cut
O processamento de produtos frescos enfrenta várias barreiras, que embora não intransponíveis, requerem um novo e alto nível de sofisticação técnica e operacional.
A maior dificuldade que a indústria de frescos enfrenta é a rápida perda de qualidade e o tempo de prateleira reduzido do produto, como resultado das desordens fisiológicas e do apodrecimento naturais12. Esta deterioração advém de processos metabólicos, como o aumento das taxas de respiração e transpiração13, 14, mudanças químicas e enzimáticas, e crescimento microbiológico, bem como do manuseamento, processamento e embalamento impróprios15.
Deterioração de origem microbiológica
Apesar do crescente nível de sofisticação técnica e operacional da indústria fresh-cut, operações como o descasque e o corte agridem os tecidos dos produtos, destruindo células superficiais e expondo o seu interior, que constitui uma fonte rica em nutrientes para os microrganismos16, 17. Este fator, aliado à elevada atividade de água, facilitam o rápido crescimento microbiano18,19.A contaminação microbiológica dos produtos pode ocorrer em diferentes fases do processo: na produção agrícola e colheita (via animais, solo ou água), no processamento (operações de lavagem e corte, equipamentos sujos, práticas higiénicas dos trabalhadores deficientes), no embalamento (materiais de embalagem contaminados), no transporte e na distribuição. Além dos perigos microbiológicos, existem outros aspetos relacionados com a segurança do produto fresco relevantes, como a presença de contaminantes químicos externos (pesticidas), compostos tóxicos naturais e corpos estranhos20.
A variedade de microrganismos presentes nos frutos é ampla, desde bactérias, bolores e leveduras que causam deterioração, a patogénicos capazes de causar infeções e/ou intoxicações alimentares21.
Fonte da imagem: ScienceDaily
Perda de qualidade sensorial
Embora a contaminação microbiológica dos produtos seja um fator preocupante ao nível da segurança do consumidor, a perda dos aspetos sensoriais da qualidade (como a aparência, cor, textura, sabor e odor) é o principal fator limitante do tempo de vida útil dos produtos MP12.
A perda de qualidade sensorial é caracterizada por diversos fenómenos, dos quais se destacam:
- Aumento das taxas de respiração e transpiração, que conduzem à perda de água, e consequente perda de textura, bem como perda de nutrientes e compostos associados ao sabor/odor22;
- Aumento da produção de etileno, que acelera o amadurecimento, e que quando em excesso conduz ao amolecimento e senescência do produto23;
- Oxidação, que resulta num acastanhamento/escurecimento dos produtos15.
Oxidação da maçã. Fonte da imagem: Wonder How To.
Soluções para a Indústria Fresh-cut
De forma a minimizar ou, se possível, evitar os efeitos descritos anteriormente, a indústria fresh-cut desenvolveu várias técnicas e tecnologias.
Uma das principais técnicas passa pela imersão dos produtos em soluções com determinados compostos para fins específicos, nomeadamente:
- Desinfetantes e antimicrobianos, que permitem reduzir o crescimento microbiano24;
- Antioxidantes, utilizados com o objetivo de minimizar o escurecimento25;
- Agentes de retenção de firmeza, que evitam o amolecimento26;
- Água quente, que para além de permitir a redução do crescimento microbiano, tem também um papel contra o escurecimento27.
Contudo, a necessidade de melhorar continuamente o processamento mínimo levou à emergência de novas tecnologias, como os revestimentos edíveis e a embalagem em atmosfera modificada.
Estas tecnologias serão tema de futuros textos publicados n’ “A Cientista Agrícola”. Não percam!
Referências
1Bruhn, C. (2000). Food labeling: consumer needs. Food labeling. J. R. Blanchfield (Ed.). Woodhead, Crambidge.
2Rico, D., Martín-Diana, A. B., Barat, J. M., Barry-Ryan, C. (2007). Extending and measuring the quality of fresh-cut fruit and vegetables: A review. Trends Food Scie. Technol., v. 18, p. 373–386.
3Gialamas, H., Zinoviadou, K. G., Biliaderis, C. G., Koutsoumanis, K. P. (2010). Development of a novel bioactive packaging based on the incorporation of Lactobacillus sakei into sodium-caseinate films for controlling Listeria monocytogenes in foods. Food Research International, v. 43, p. 2402–2408.
4IFPA – International Fresch-Cut Product Association. (2017). Ofering Global Expertise in Fresh-cut Produce. Disponível em: http://www.creativew.com/sites/ifpa/about.html. Acedido a: 31, maio, 2017.
5Francis, G. A., Galone, A., Nychas, G., J., Sofos, J. N., Colelli, G., Amodio, M. L., Spano, H. (2012). Factors Affecting Quality and Safety of Fresh-Cut Produce. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 52, n. 7, p. 595-610.
6Gorny, J. R. (1996). Fresh-cut product preparation. Postharvest horticulture series n. 10. Postharvest outreach program Fresh-cut products: Maintaining quality and safety, p. 7.2-7.7. Department of Pomology, University of California Davis, California.
7Sandhya. (2010). Modified atmosphere packaging of fresh produce: Current status and future needs. Food Science and Technology, v. 43, p. 381-392.
8Gorny, J. R., Hess-Pierce, B., Cifuentes, R. A., Kader, A. A. (1999). Quality changes in fresh-cut peach and nectarine slices as affected by cultivar, storage atmosphere and chemical treatments. J Food Sci, v. 64, p. 429-432.
9González-Aguilar, G., A., Ayala-Zavala, J. F., Olivas, G. I., De la Rosa, L. A., Álvarez-Parrilla, E. (2010). Preserving quality of fresh-cut products using safe technologies. J Verb Lebensmitt, v. 5, p. 65-72.
10Burns, J. L. (1995). Lightly processed fruits and vegetables: introduction to the colloquium. HortScience, v. 30, p. 14-17.
11Ahvenainen, R. (2000). Ready-to-use fruits and vegetables. Flair-Flow Europe Technical Manual.
12Jacxsens, L., Devlieghere, F., Debevere, J. (2002). Temperature dependence of shelf-life as affected by microbial proliferation and sensory quality of equilibrium modified atmosphere packaged fresh produce. Postharvest Biology and Technology, v. 26, p. 59-73.
13Mahajan, P. V., Oliveira, F. A. R., Montanez, J. C., Iqbal, T. (2008). Packaging design for fresh produce: an engineering approach. New Food, v. 1, p. 35–36.
14Caleb, O. J., Opara, U. L., Witthuhn, C. R. (2012). Modified atmosphere packaging of pomegranate fruit and arils: a review. Food and Bioprocess Technology, v. 5, p. 15–30.
15Barry-Ryan, C., O’Beirne, D. (2000). Effect of peeling method on the quality of ready-to-use carrots. Int J Food Sci Technol, v. 35, p. 1-11.
16Brackett, R. E. (1994). Microbiological Spoilage and Pathogens in Minimally Processed Refrigerated Fruits and Vegetables. Minimally Processed Refrigerated Fruits and Vegetables, p. 269–312. Wiley, R. C., (Ed.). Chapman and Hall, Nova Iorque.
17Barry-Ryan, C., Pacussi, J. M., O’Beirne, D. (2000). Quality of shredded carrots as affected by packaging film and storage temperature. J. Food Sci., v. 65, p. 726–730.
18Beuchat, L. R. (1996). Pathogenic microorganisms associated with fresh produce. J. Food Prot., v. 59, p. 204–216.
19Parish, M. E., Beuchat, L. R., Suslow, T. V., Harris, L. J., Garrett, E. H., Farber, J. N., Busta, F. F. (2003). Methods to reduce/eliminate pathogens from fresh cut produce. Comprehensive Review Food Scie. Food Safety, v. 2, p. 16–173.
20Francis, G. A., Galone, A., Nychas, G., J., Sofos, J. N., Colelli, G., Amodio, M. L., Spano, H. (2012). Factors Affecting Quality and Safety of Fresh-Cut Produce. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 52, n. 7, p. 595-610.
21Abadias, M., Usall, J., Anguera, M., Solsona, C., Viñas, I. (2008). Microbiology quality of fresh, minimally-processed fruit and vegetables, and sprouts from retail establishments. International Journal of Food Microbiology, v. 123, p. 121-129.
22Hodges, D. M., Toivonen, P. M.A. (2007). Quality of fresh-cut fruits and vegetables as affected by exposure to abiotic stress. Postharv. Biol. Technol., v. 48, p. 155–162.
23Saltveit, M. E. (1999). Effect of ethylene on quality of fresh fruits and vegetables. Postharvest Biol Technol, v. 15, p. 279-292.
24Martínez-Téllez, M. A., Rodríguez-Leyva, F. J., Espinoza-Medina, I. E., Vargas-Arispuro, I., Gardea, A. A. (2009). Sanitation of fresh green asparagus and green onions inoculated with Salmonella. Czech J Food Sci, v. 27, p. 454-462.
25Soliva-Fortuny, R. C., Ricart-Coll, M., Martin-Belloso, O. (2005). Sensory quality and internal atmosphere of fresh-cut Golden Delicious apples. International Journal of Food Science & Technology, v. 40, n. 4, p. 369-375.
26Aguayo, E., Escalona, V. H., Artes, F. (2004). Metabolic behavior and quality changes of whole and fresh processed melon. J Food Sci, V. 69, p. 148-155.
27Dea, S., Brecht, J. K. M., Nunes, M. C. N., Baldwin, E. A. (2010). Quality of fresh-cut ‘Kent’ mango slices prepared from hot water or non-hot water-treated fruit. Postharvest Biol Technol, v. 56, p. 171-180.