Autora do artigo: Ana Lúcia Pereira, Mestre em tecnologia e ciência alimentar
Os revestimentos edíveis têm vindo a mostrar-se uma estratégia de embalagem capaz de estender o tempo de vida útil de hortícolas inteiros, bem como de frutas e legumes minimamente processados. As suas capacidades edíveis, ou seja, comestíveis, e, portanto, biodegradáveis, fazem desta tecnologia uma alternativa mais sustentável e amiga do ambiente1.
Definição e características
Os revestimentos edíveis podem ser definidos como finas camadas de material comestível, que são aplicadas diretamente na superfície dos produtos, cobrindo toda a sua superfície, e sendo, portanto, consumidos juntamente com o produto2 .
Os componentes principais dos revestimentos edíveis são os polissacarídeos, proteínas e lípidos. Contudo, os polissacarídeos são o grupo mais utilizado, cujas origens são várias, desde fontes vegetais a fontes animais. Alguns exemplos de polissacarídeos são o amido (presente em cereais, legumes e tubérculos), a celulose (em plantas), o quitosano (em crustáceos e fungos), alginatos (em algas), entre outros3,4.
Um dos requisitos mais importantes na formulação de revestimentos edíveis é a importância de este não interferir na qualidade e aparência natural do produto.
O revestimento deve ser impercetível, e não introduzir qualquer tipo de desordem ou alteração no gosto ou odor originais do produto5.
Além disso, as propriedades mecânicas do revestimento são muito importantes. O revestimento deve ter uma boa capacidade molhante, ou seja, deve ser capaz de se espalhar por toda a superfície do produto, cobrindo-o por completo; deve ser resistente e manter a sua integridade ao longo de todo o processo de armazenamento e manuseamento; não pode ser peganhento; deve ser pouco viscoso; e deve apresentar um desempenho de secagem eficiente, ou seja, rápida e uniforme5.
Como referido, a aplicação de revestimentos edíveis em hortícolas tem como principal objetivo a extensão do tempo de vida útil, e isso é alcançado através de diferentes processos6:
- Modificação da atmosfera que envolve o produto, funcionando de barreira seletiva às trocas gasosas (recorde o conceito de atmosfera modificada em “Já ouviu falar de atmosfera modificada? – A principal tendência na indústria dos frescos”);
- Diminuição das taxas de respiração e transpiração, bem como da taxa de produção de etileno, atrasando assim o amadurecimento e posterior senescência;
- Manutenção da firmeza;
- Prevenção da oxidação (processo que resulta no escurecimento/acastanhamento do produto);
- “Aprisionamento” dos compostos voláteis associados ao odor natural do produto;
- Proteção dos produtos contra lesões/desordens provocadas pela refrigeração e armazenamento;
- Em última instância, redução da utilização de materiais de embalagem sintéticos.
Além disso, é possível incorporar compostos nas formulações dos revestimentos edíveis, que vão permitir melhorar a qualidade sensorial, nutricional e/ou microbiológica dos produtos hortícolas. Ao nível sensorial, o revestimento pode incluir retentores de firmeza (como o cloreto de cálcio) ou agentes que minimizem o escurecimento (como o ácido ascórbico). A nível nutricional, podem ser adicionados ácidos orgânicos, vitaminas, extratos naturais, entre outros. E no caso da qualidade (e segurança) microbiológica, podem ser utilizados agentes capazes de reduzir o crescimento microbiano (como a lactoperoxidase).
O importante é que todos os ingredientes utilizados na formulação dos revestimentos sejam GRAS (Generally Regarded As Safe), em português, “geralmente considerados seguros”, o que significa que não podem ser tóxicos e têm de ser aprovados para uso alimentar.
É de salientar que não existe um revestimento universal, ou seja, uma formulação que possa ser aplicada a todos os produtos. A seleção dos ingredientes a serem utilizados vai estar sempre dependente do produto a revestir, nomeadamente ao nível das frutas e legumes: cada hortícola tem taxas de respiração/transpiração e de produção de etileno específicas, firmezas diferentes, tamanhos variados, entre outros aspetos que vão condicionar a escolha do revestimento, que deve ser por isso estudada e específica para cada produto.
Método de aplicação
Existem vários métodos de aplicação de revestimentos em produtos alimentares, como a imersão, a pulverização, ou o espalhamento com pincel7.
Contudo, a imersão é a técnica mais utilizada e considerada a mais eficiente, uma vez que garante que toda a superfície do produto entre em contacto com o revestimento3. Neste método, o produto alimentar é imerso numa solução de revestimento líquida, o excesso é removido, e após secagem forma-se o revestimento à superfície do produto3.
Obstáculos à aplicação de revestimentos edíveis nos hortícolas
Apesar dos benefícios apresentados anteriormente, existem algumas barreiras à utilização dos revestimentos edíveis nos hortícolas.
Uma delas passa por possíveis implicações sensoriais negativas. Se os revestimentos não forem especificamente desenvolvidos para o tipo de fruta que vão revestir, podem ocorrer desordens a nível sensorial, como perda de firmeza, escurecimento do produto, desenvolvimento de sabores/odores desagradáveis, entre outros.
Uma outra questão passa pela possível presença de alergénios nos revestimentos, que devido à sua origem natural, podem incluir alergénios como crustáceos ou trigo, pelo que estes devem ser claramente rotulados8.
Um terceiro obstáculo prende-se com a aplicação industrial. Muitas das matérias-primas utilizadas nas formulações dos revestimentos têm um custo elevado, nomeadamente no que diz respeito aos processos de extração. Além disso, o conhecimento e tecnologia existentes são ainda limitados4.